diário de leitura: maio 2016

“No estado em que me achava, se viessem me avisar que eu poderia voltar tranquilamente para casa, que minha vida estava salva, ficaria indiferente; algumas horas ou alguns anos de espera dão na mesma, quando se perdeu a ilusão de ser eterno.” (O Muro, p. 26)

Demorei a organizar meu resumo literário de maio porque, desde que eu me apaixonei oficialmente pela linguística, todos os meus outros projetos ficaram pra segundo plano. Sorry not sorry.

Maio foi uma louca mistura de temas e formatos. Teve de tudo, o que reflete um pouco como eu me sinto: buscando em todas as direções algo que seja pra mim. Já me achei e me perdi e achei que me achei em várias fases da vida, e as mudanças, intencionais ou impostas, são sempre um novo chão onde se acomodar. Enfim, isso tudo pra introduzir uma lista pouco coesa de leituras logo abaixo.

Sobre a saga Ulysses, enfim trago novidades! Encontrei dois exemplares na biblioteca da minha faculdade, um no original (uma edição sem censuras da Penguin) e uma tradução antiga do Houaiss. Finalmente desencalhei dos 30%, e em pouco mais de duas semanas eu passei da metade. De acordo com o acompanhamento que eu continuo fazendo pelo Kindle, já cheguei nos 70%! O que prova uma resistência subconsciente que eu tenho aos livros digitais. Ou talvez só aos especialmente longos.

Não sei qual é o fenômeno, sei que a mudança funcionou. Dia 16 de junho é o Bloomsday, e eu tive a brilhante ideia de me desafiar a concluir a leitura até lá. Mas já sei que não é pra tanto. De toda forma, quero fazer minha primeira maratona literária, e passar esse dia inteiro me dedicando a ler Ulysses. Parece divertido, mas não sou de fazer promessas, só planos.

O Quinze - Rachel de QueirózEntre as leituras finalizadas, eu comecei o mês com uma novela da Rachel de Queiróz, O Quinze, que é de uma melancolia crua, mas que não me tocou fundo como eu esperava. Terminei já no dia primeiro. É um livro muito simples. É triste, mas nada romantizado. A narração é na verdade bastante direta.

O título se refere ao ano de 1915, marcado por uma seca especialmente cruel no sertão cearense. Rachel de Queiróz aproveitou o fato histórico e inseriu seus personagens nesse contexto.

Sei que muita gente sente falta de aprofundamento nas personagens em livros mais curtos, mas a mim nunca incomodou. Pelo contrário, adoro esse mistério de querer saber mais do que o autor entregou de graça na história, sabendo que nunca vou ter certeza, que só me resta seguir imaginando.

O mais interessante é que essa é a primeira obra publicada da autora, escrita quando ela não tinha ainda vinte anos de idade. Fiquei impressionada com a maturidade dela, tanto no estilo quanto na abordagem do tema. Invejinha, de leve, pode?

Iniciação à Sintaxe do Português - José Carlos de AzeredoDia 10 eu terminei mais uma leitura pra faculdade, Iniciação à Sintaxe do Português, do José Carlos Azeredo. É um livro curtinho e bem introdutório (óbvio pelo título, né?), muito fácil mesmo de acompanhar, e um ótimo ponto por onde começar pra quem tem interesse em línguística, em escrever bem e inclusive em compreender melhor outras leituras. E também, é um assunto fascinante, fica aí o aviso pra quem não descobriu isso ainda! Risos.

A sintaxe trata da organização das palavras dentro das frases, e é incrível ir descobrindo a engrenagem da língua (cada língua com construções tão distintas), e o que se pode criar a partir disso, e como brincar e expandir esses códigos. Ah!…

O Muro - Jean-Paul SartreDepois eu terminei O Muro, do Sartre, dia 12. É uma coletânea com cinco contos, e eu ‘tava mesmo no clima de ler uns contos. O que é engraçado, porque, na minha divina ignorância, quando peguei pra ler, eu achava que O Muro fosse um romance.

Da mesma forma com que falei sobre as novelas, gosto dos pontos inacabados dos contos, de como eles são como fotografias de um único momento, muitas vezes sem contexto. Ao mesmo tempo, é gostoso poder torcer tanta interpretação a partir de dados tão enxutos.

No início eu senti falta do existencialismo pelo qual Sartre é tão famoso. E que eu adoro. Achei que viria mais pesado, mais direto, e em determinadas passagens eu cheguei a identificar essa característica. Só agora, ao escrever sobre o livro e relembrar a leitura, eu percebo que essa base está sempre lá, nas situações como nas atitudes das personagens.

Os contos são esses:
⋅ O Muro
⋅ O Quarto
⋅ Erostrato (o único de que não gostei muito)
⋅ Intimidade
⋅ A infância de um Chefe (que na verdade tá mais pra uma novela)

Madame Charme - Jennifer L. ScottA próxima leitura foi um momento gostoso de férias, de um dia. Madame Charme, da Jennifer L. Scott, é um livro de estilo e comportamento com inspiração nas francesas. Que fazer se elas transmitem ao mesmo tempo autoconfiança e espontaneidade, elegância e simplicidade?

A autora passou seis meses em intercâmbio morando na casa de uma família aristocrática parisiense, e é da rotina dessa família, especialmente da mãe, a própria Madame Chic (no original – não entendo a tradução; existe a palavra chique em português, e ela não tem o mesmo sentido de charmoso) que ela tira as dicas que ela repassa.

Não é a minha primeira leitura sobre as maneiras das francesas, e enquanto houver material, nunca chegarei na última. Tenho uma atração inexplicável pelo modo de vida francês, nem tento mais negar.

Mas como sempre, e aqui talvez seja justificado pelo fato de a referência da autora ser uma família especialmente tradicional, algumas sugestões que ela propõe me pareceram um tanto exageradas, até ultrapassadas. De resto, muitas inspirações deliciosas!

Zen Bow, Zen Arrow - John StevensEu avisei que esse mês teve de tudo. Minha última leitura finalizada, dia 24, foi outro curtinho (tudo curtinho esse mês: uma questão de necessidade de balancear Ulysses?): Zen Bow, Zen Arrow, escrito/organizado por John Stevens. Esse livro é referência direta a outro que eu li anos atrás, chamado Zen in the Art of Archery, do alemão Eugene Herrigel, que foi discípulo do mestre Awa Kenzo, arqueiro japonês muito prestigiado, sobre quem trata esse livro também.

Ufa. Deu pra entender?

Ele é construído primeiro com uma rápida biografia do Awa Kenzo, seguido de páginas e páginas de citações dele. E não muito mais. As fotografias são um charme a parte, mas só. Definitivamente não é de interesse pra todo mundo, e mesmo que seja, eu ainda indicaria muito mais ficar só no outro livro do que seguir pra esse.

Enfim, não adorei. Acho mais legal como um livro a se abrir ao acaso, pelas citações do mestre Awa Kenzo, muitas delas bastante intrigantes. Aliás, venho compartilhando as minhas preferidas no meu Tumblr, ai como sou cliché, ai como adoro.

E é isso e tchau, que tenho muita leitura em andamento pra seguir. Ainda bem.

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