diário de leitura: agosto 2016

“Essas pessoas podiam ser levadas a acreditar nas violações mais flagrantes da realidade porque nunca entendiam por inteiro a enormidade do que se solicitava delas, e não estavam suficientemente interessadas nos acontecimentos públicos para perceber o que se passava. Graças fato de não entenderem, conservavam a saúde mental. Limitavam-se a engolir tudo, e o que engoliam não lhes fazia mal, porque não deixava nenhum resíduo, exatamente como um grão de milho passa pelo corpo de uma ave sem ser digerido.” (p. 187)

1984 foi a única leitura que eu terminei em agosto. Porque as atividades da faculdade se impuseram com força na minha vida e blá blá blá pra falar a verdade, eu não tive vontade de ler mais nada e pronto. E essa foi uma leitura bem pesada pra mim, a ponto de eu ter que consumir em doses mínimas.

“Ir tocando dia após dia, semana após semana, prolongando um presente sem futuro, parecia um impulso irrefreável, tal como nossos pulmões sempre haverão de aspirar o alento seguinte enquanto houver ar disponível.” (p. 182)

Acho que meu incômodo maior veio do fato de eu ter achado aquilo tudo tão representativo da realidade. Quer dizer, as diferenças na fachada são enormes, mas a essência é basicamente a mesma. Mesmo com todos os “erros” de previsão que Orwell possa ter cometido (tendo escrito esse livro em 1949), a exatidão na essência é o que mais choca. É uma identificação tão grande do mundo que eu vejo à minha volta, e do qual quero sempre fugir, que me transtornou um tanto. Uma grande massa automática de gente que é treinada desde criança a não questionar nada, a ser manipulada pra um lado e outro sem nem perceber. É triste, né? É triste eu perceber que frequentemente sou uma dessas pessoas.

O livro em si não é incrível. Tem umas firulas que só servem como distração pra mensagem, na minha opinião. E personagens extremamente rasas, com as quais não há identificação (ou não-identificação) nenhuma, porque elas são totalmente planas e sem verdade. Entendo que, mais do que pessoas, elas representam justamente o afastamento das características humanas, provocado forçadamente pelo meio, pelo “partido”. Entendo a apatia dessas personagens, mas isso não é motivo pra que elas não tenham faceta nenhuma. Nem mesmo o protagonista me despertou interesse. Pra mim, A Revolução dos Bichos é a verdadeira obra prima do Orwell. Justamente pela simplicidade, pela objetividade. Mas eu só li esses dois.

“Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.” (p. 47)

Tem uma parte bem maçante no meio do livro, na qual uma personagem lê, ela, um livro. O leitor acaba lendo grande parte junto. É uma seção teórica que explica todo o contexto do universo da história. Contexto esse que o leitor já entende pelas informações que aparecem durante a leitura. Uma ou outra informação nova ali podia muito bem ter vindo diluída na história. Achei desnecessário, forçado, e foi a parte que mais me atrasou a leitura.

“Com exceção dos poucos centímetros que cada um possuía dentro do crânio, ninguém tinha nada de seu.” (p. 39)

Com tudo isso, eu ainda fui muito tocada por algumas cenas, e vi claramente o paralelo com vários moldes que a nossa sociedade ainda segue cegamente. Mas o verdadeiro tesouro desse livro, pra mim, ‘tá no apêndice, já lá no final, no qual Orwell discorre sobre a chamada “novafala” (newspeak, no original), uma linguagem adaptada do inglês com o propósito de enxugar cada vez mais o vocabulário e, assim, calar o que há de realmente humano nas pessoas. A lógica da adaptação proposta por ele faz mais sentido pra quem entende a construção dessa língua, mas a sacada vale de todo jeito. Enfim, o que me fascina é a ligação profunda que o Orwell defende entre a linguagem e a política. Com esse texto final, ele mostra todo o poder da língua, e de quem conhece-a intimamente.

“A intenção era transformar a fala, sobretudo quando o assunto não fosse ideologicamente neutro, em algo tão independente quanto possível da consciência.” (p. 357)

Agora é um novo mês e eu pretendo voltar a minha atenção às leituras do Desafio Livrada. E pôr o resto da minha vida em ordem, também não cairia nada mal…

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