zerar a vida

Eu tenho essa obsessão esquisita de querer zerar tudo na vida. Zerar é finalizar, levar pro neutro, acabar com as pontas.

Existe um programa onde se podem concentrar os artigos interessantes da internet pra lê-los depois. Quando der. Chama Pocket, corre lá que é ótimo! O Pocket salva as coisinhas que eu quero ler pra quando eu tiver a disponibilidade para tal. Não é uma maravilha? Aí eu abro o Pocket e fico atormentada porque tem uma fila de trinta artigos esperando pra serem lidos mas eu só vou ter tempo agora pra um. Não pode, eu TENHO que ler tudo, tenho que zerar o Pocket imediatamente senão serei o fracasso na Terra!

E o cesto de roupa suja. Ele serve pra acumular as roupas sujas aos poucos, todas em um mesmo lugar, até que haja uma quantidade adequada pra um banho coletivo na máquina. Né? Mas quando eu lavo a roupa toda, fico nervosinha por aquela primeira peça a recomeçar a pilha. Porque eu quero zerar a roupa suja. Pra sempre.

Também sou ligeiramente compulsiva com organização, e todos os objetos devem estar em seus devidos lugares. CONSTANTEMENTE. É pouco conveniente quando eu quero dormir sem desfazer a cama ou cozinhar sem bagunçar a cozinha. Que louca, né?

Aí eu abro o Instagram e eu PRECISO passar por todas as fotos que ainda não vi. Preciso atingir aquela última foto vista da vez anterior. Sabe como é?

E tem os livros. A fila de livros. A interminável fila de livros a serem lidos, essa fila interminável que aumenta em progressão geométrica e eu nem quero mais falar nisso que já fiquei nervosa.

Eu também tenho uma lista de afazeres que eu quero terminar definitivamente. Contas, consultas, reuniões, compromissos, quero acabar com todos. Pra que, mesmo? O que é isso tão incrível que vem depois? Depois de zerada a vida.

É como esperar comer hoje todos os nutrientes que eu vou pra sempre precisar. Não, porque a fila da fome só acaba na morte. Zerar a vida é meio que morrer. Deixar de viver. É a mesma coisa. E não é isso o que a gente quer. A gente quer aproveitar o percurso. Mas essa rotina de distrações nos faz confusos, né? A gente não quer acabar nada, a gente quer o caminho!

O ano começou muito bem, produtivo e positivo. Mas eu ainda me vejo bastante afobada pelos resultados, querendo pular etapas e passar o tempo no modo acelerado. ▶▶

ei! calma lá!

Essa pressa não tem nada a ver com o que eu quero de verdade! Tudo isso não passa de distração, e basta que eu volte a ficar atenta pra eu conseguir retomar a minha calma e o meu foco. E… de volta à caminhada na minha direção escolhida.

Certo e errado, mais que provado, não existem, mas eu tenho os meus objetivos, ou, melhor dizendo, as minhas aspirações. (Acho que o conceito de objetivo não funciona muito bem comigo. Prefiro a sensibilidade das aspirações. Sou assim, totalmente subjetiva, portanto tenho aspirações.) Essas eu tenho, e é importante mantê-las em mente enquanto eu sigo, ainda que o importante mesmo seja viver o presente. É o presente que molda o futuro, de toda forma. Difícil explicar essa diferença: estar no presente e manter o foco nos “objetivos”. Porque objetivos, ou mesmo aspirações, sonhos, metas, o que seja, tudo isso leva a mente direto pro futuro, né? Pra idealização da vida já transformada. E é delicioso fantasiar uma vida ideal. O que eu esqueço é que é possível torná-la relativamente real, aos poucos e com foco.

Não é preciso sacrifícios nem sofrimento, mas é preciso prioridades. Focar no que eu escolhi e deixar as distrações descansando em outro plano. É uma escolha. Não dá pra ter tudo, não mesmo. Nem a gente deveria querer tudo, porque não faz sentido. Enfim, o ser humano faz pouco sentido, mesmo.

Mas, não, eu não preciso “zerar” tudo na minha vida, menos ainda mantê-la zerada o tempo inteiro. Quer dizer, não preciso ler todos os artigos que estão na fila no meu Pocket, porque o Pocket serve justamente pra que eu leia os artigos com tempo, com calma. Quando der. Se der. Depois que eu tiver cumprido o que há de mais importante na minha rotina: as prioridades. Também não preciso ter lido todos os livros que estão na fila, ou correr pra me adiantar nessa fila. A fila, sempre terá.

Também não preciso ver todas as fotos do Instagram e do Tumblr (sou dessas). Melhor que isso é eu degustar o conteúdo que der, com calma e atenção aos detalhes. É assim que eu vou absorver de fato essas inspirações e aprender mais sobre fotografia, sobre o que me agrada visualmente, sobre como eu mesma posso por em prática essa motivação toda.

Não adianta, inclusive, querer resolver todas as pendências de uma vez. Porque me tornar disponível por uma pendência cumprida significa abrir espaço pras próximas. Sempre. Chama vida.

Não quero dizer que não valha a pena começar um novo livro da fila, ou cumprir as tarefas necessárias. O importante é conseguir se afastar das pendências a ponto de elas não se tornarem o estresse de uma emergência absoluta. O importante é conseguir se envolver com cada leitura, individualmente, a ponto de o tempo já não importar. Às vezes uma leitura, por exemplo, precisa de mais dedicação, de repetição e de pausas pra ser aproveitada e absorvida.

É meio FoMo (google), mas é mais que isso. É o medo do presente, e da realidade. É um apego louco que a gente tem, quando não com o passado que já não existe, com um futuro que talvez nunca virá a existir.

e aí?

Profissionalmente, eu tenho algumas aspirações. Acho que este talvez seja o ano de eu me focar na minha “carreira”. Entre aspas, porque não acredito mais nesse esquema de carreira. O mundo está mudando, graças, e eu não preciso escolher uma profissão única pro resto da vida se eu não quiser. Mas posso sempre servir aos outros com os meus talentos, com os meus interesses, com as minhas descobertas.

E, claro, eu tenho as minhas áreas de interesse. Jamais vou decidir da noite pro dia virar física nuclear ou advogada ou astronauta. Chato, chato, chato. Mas sempre estiveram presentes na minha vida a arte, a organização, a leitura e a escrita, as línguas, a estética, as delicadezas do lar, as viagens, a intimidade com a natureza. Disso eu sei falar. Sempre pesquisando, sempre aprendendo, sempre aperfeiçoando. Me aperfeiçoando. São áreas em que eu me garanto e nem doeu aprender nada disso. Eu nem sequer percebi que estava “me formando”. Pelo contrário, é o tipo de descoberta que me alimenta.

Enfim, meu plano de ação pra esse ano está virtual. Não por acaso, o mundo mais cheio de distrações que há. E entre os planos de hábitos, da rotina de cada dia, está a atenção e está a calma. Essa dupla vai me servir muito bem. Basicamente, a lição é fazer uma coisa de cada vez, no tempo necessário e sem distrações. Vê: a calma e a atenção.

Minhas prioridades práticas são:

1. completar uma sessão antes de começar a próxima. Não preciso finalizar uma tarefa inteira, porque algumas demoram dias (como desenvolver uma tese), mas preciso finalizar a sessão, o que significa deixar uma linguinha pronta pra começar a sessão seguinte, sem deixar sobras que eu não vou entender depois. Finalizar um contexto.

Vale pra rotina de trabalho, pros cuidados da casa, pros exercícios, pra meditação, pra leitura, pra escrita, pra gravação de vídeos, pra organização do meu tempo em geral. Sem regras, mas com uma rotina. 

Funciona também pras minhas inspirações. Eu só leio artigos muito curtos, então posso muito bem reservar um tempo pra lê-los por inteiro. Mesmo que só dê pra um só. Enquanto estiver lendo, não faço mais nada. Enquanto estiver escrevendo, não faço mais nada. Enquanto estiver assistindo a um filme, não faço mais nada. Enquanto estiver divagando pelas minhas inspirações, estou 100% ali. Vai ser desconfortável, só no início, mas absolutamente necessário e rentável a longo prazo. Uma disciplina inicial que produz os hábitos naturais que vêm depois.

2. eliminar as telas mais cedo, todas elas. Pra dormir melhor, pra descansar a vista e a cabeça. Pra liberar espaço pra mais produção, pra criatividade e pro total ócio.

O que eu tenho pra zerar é a presença por completo, durante cada passo do percurso, durante o percurso inteiro. O resto não importa. Tempo é relativo, de toda forma, de que serve se preocupar com ele? O destino não está no depois de zerada a vida. O destino é o que se faz a cada momento.

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